Remember of me
"Lembre-se
de mim", reli aquela pequena frase de sua ultima carta senti algo revirar
em meu estomago. Como se alguém houvesse me dado um soco tão forte que agora
minha maior vontade fosse apenas estar ali, encolhida no chão frio esperando
aquela dor imensa passar. Mas eu sabia. Ela não iria passar. E sempre que eu
relia aquilo, toda aquela dor voltava, todas as lembranças e todas as angustias
também. Mas eu não tomava jeito e sempre voltava a ler todas aquelas cartas.
Eram
lembranças guardadas pelo envelope branco envelhecido e pelos papéis antigos de
carta. Foram por aquelas cartas que obtive consolo, atenção e carinho. Tive
certeza de que talvez um dia você voltasse e tudo pudesse ser da maneira que
era. Sem grandes emoções e sem aquela distância arrasadora que me fazia chorar
toda vez que via ou algo que me fazia lembrar você.
Algumas
vezes eu desejava que tudo voltasse para a época em que éramos apenas crianças.
Sem responsabilidades, apenas com nossos risos e brincadeiras. Me lembro de uma
vez, quando deveríamos ter pouco mais de 13 anos, estudávamos juntos e toda
sexta-feira os alunos tinham liberdade para fazer dos dois últimos horários o
que quisessem. Nossa turma resolveu fazer uma brincadeira, clichê e idiota, da
qual me recusei a brincar. Você se sentiu tão desapontado quando eu falei que
não brincaria que resolveu ficar comigo na sala.
Não me
perguntou o porquê não querer brincar com os outros e mesmo se perguntasse eu
não saberia responder. Eu estava com medo, medo do que você poderia fazer ou
dizer ali. Não queria ouvir sua resposta caso alguém perguntasse de quem você
gostava, ou ter que vê-lo beijar outra garota. Não conversamos nada enquanto
estávamos na sala, eu apenas olhava de vez em quando para ver se alguém não
viria te “raptar” para aquela brincadeira idiota. E vieram, uma ou duas vezes,
mas você negou, disse que não queria participar.
Depois da
segunda vez que te chamaram você me olhou como se tivesse um grande segredo e
não pudesse mais escondê-lo. Caminhou até mim seguro de si e me beijou. E de uma
hora para a outra pareceu que todos os meus sonhos estivessem se tornando
realidade e por algum tempo foram. Não tivemos nenhum daqueles problemas que todos veem em filmes adolescentes ou em
livros de romance. Não havia nenhuma bruxa má, nem ninguém queria acabar com
nosso namoro, apenas tudo foi esfriando, voltando a ser o que era quanto
tínhamos 13 anos.
Não
deixamos é claro a amizade, mas era estranho te ouvir falar de outra, era
estranho não saber o que você estava sentindo e o pior era ver você com outra
garota e não poder deixar tudo que eu sentia transparecer. Mas havíamos voltado
a sermos amigos e eu estava segurando a minha barra, estava tentando. Conheci
outras pessoas, tentei mesmo dar uma nova chance ao meu coração, mas eu não
conseguia, era com você que eu queria passar
o resto dos meus dias, era com você que eu planejava o futuro, o nome
dos nossos filhos e até onde moraríamos.
Foi alguns
dias antes do natal, eu havia acabado de sair com Pedro Mancuso, um garoto até
engraçado, quando você chegou. Eu estava o vendo ir embora quando você se
sentou ao meu lado no balanço da casa dos meus pais, eu não esperava que você
dissesse nada, como não esperei anos antes quando você me beijou pela primeira
vez, e você não disse, apenas ficou ali, ao meu lado olhando para todas aquelas árvores que rodeavam a casa.
Eu dei um
impulso no balanço e você fez o mesmo. Alguns minutos depois parecia que
havíamos voltado a sermos crianças, quem daria o salto mais alto? Quem
conseguiria se levantar mais depressa? No ultimo impulso caímos no chão, eu
comecei a rir com tudo aquilo. Nós estamos no jardim da casa dos meus pais,
rindo como loucos porque havíamos
acabado de nos atirarmos dos balanços. Nós éramos assim, sempre fomos assim,
notei isso quando lhe olhei, nossas risadas já havia se esvaído, mas
continuávamos a nos olharmos nos olhos.
Você fez
aquilo que eu esperava que fizesse. Juntou nossos lábios e fez com que eu
lembrasse de tudo que havíamos passado. Quando, ofegantes, acabamos aquele
beijo de recordações não precisávamos de palavras. Nossos atos sempre nos
diziam mais que as palavras. Às vezes elas não significavam nada, o impulso, à
vontade, o gesto e a verdade pareciam reger tudo que tínhamos. Eram nossas
armas. No fim daquele ano, na noite de ano novo estávamos juntos de novo. Foi o
melhor ano novo de todos, passamos juntos, sozinhos em sua casa.
Totalmente
diferente do que costumamos fazer, mas você quis assim. Você me falou que
estava feliz por estarmos juntos e por tudo estar dando certo e realmente
estava. Parecia que tudo havia voltado a seus eixos, não fiquei surpresa,
apenas fiquei feliz por isso. E quando eu pensei que tudo estava realmente
equilibrado você partiu. Decidiu que seria melhor terminarmos tudo, me contou
que havia conseguido um bom emprego em outro estado, que era o seu sonhos, eu
apenas sorri e concordei com tudo aquilo.
Doeu.
Voltar a ser sua amiga, quando eu achava que tudo estava nos eixos. Você me
mandava cartas sempre e eu as respondia, com toda a minha dor. Em nenhuma delas
você mencionava como estava, o que estava fazendo, se estava com alguém ou
sentia minha falta e eu não suspeitei de nada. Todas as cartas me pareciam
normais até eu receber a última delas, há dois meses. Eu não imaginava, eu não
tinha ideia do que estava acontecendo até lê-la.
A principio
eu te odiei. Ou melhor, tentei te odiar, com todas as minhas forças. Eu estava
arrasada, decepcionada, magoada. Me sentindo, traída, magoada, eu enlouqueci,
passei dias sem sair do quarto e quando alguém tentava me ver eu apenas fazia
com que a pessoa fosse embora. Depois de mais alguns dias de raiva, de magoas e
uma maldita tortura interna. Eu te idolatrei. Você havia me enganado, ok, mas
foi de uma maneira que eu com certeza faria. Eu faria o mesmo por você, para
você, eu sabia. E por fim, quando finalmente entendi eu não pude deixar de te
amar mais.
E a cada
dia que passa eu sei que não vou me esquecer. Nada poderá me fazer esquecer de
você, estará gravado em minha memória para sempre. Todos os anos, toda a vida
para ser mais sincera. Eu não pude me despedi, eu não iria querer despedidas,
você sabia disso. Odiávamos isso. Quando você se alistou no exercito, anos
antes eu não fui te ver. Eu não queria, achava tão clichê, você partindo para o
exercito enquanto eu estava aqui, sofrendo e te esperando, parecia tanto com
aqueles filmes tristes que eu odiava assistir, porque sabia que no final sempre
iria chorar.
Por isso,
quando a sua última carta chegou, eu gritei. Me apavorei, quis me matar, quis
fazer uma revolução, quis chorar até perder a razão. Te odiei, surtei,
enlouqueci, fiquei totalmente fora de mim. Não é todo dia que você recebe uma
carta do homem que você ama dizendo que está morto. Você foi tão cruel – sim,
você foi –quando me privou de estar ao seu lado nos últimos dias. Você morreu
aos poucos, mas eu morri mais. Porque metade do meu coração está agora
enterrada em um caixão a sete palmos da terra.
Limpei as
lágrimas, abri novamente a carta e a reli.
“Não quero
que pense que tudo é uma grande conspiração contra você. Não quero que se
irrite, nem que perca a cabeça – mesmo sabendo que ignorará meus conselhos
assim que ler o que tenho a dizer –. Não é o fim do mundo, não mesmo, você
apenas terá uma nova perspectiva dele, se lembra de quando fizemos aquele pacto
na adolescência ? Havíamos acabado de assistir ‘A vida é bela’ quando você me
fez prometer que nunca iria te deixar, eu tentei, juro. Tentei ficar com você
até o fim, mas eu sei que dessa maneira seria mais difícil.
Fui
covarde, sei também disso, eu não queria que você me estivesse comigo nesse estagio final
do câncer. É triste, é arrasador, é algo que você não precisava passar e que eu
não gostaria que você visse. A cada
carta que você me mandava era como estar mais perto de você, eu não podia te
tocar, não podia sentir seus lábios contra os meus, nem ouvir sua voz, mas eu
podia tê-la comigo, naquelas cartas. Outro dia eu vi um casal, deveriam ter no
máximo 9 anos, eles estavam abraçados. As mães das crianças conversavam
enquanto eles estavam ali, juntos um do outro.
Foi à coisa
mais linda desde que vim para cá. Eu senti como se fossemos nós dois. E era, de
alguma maneira eu sentia que era. Como éramos quando tínhamos aquela idade.
Sabe o que mais me dói ? Não teremos tudo que sonhamos. Não poderemos dar nome
aos nossos filhos, não poderemos escolher uma casa juntos, não teremos mais
aquele futuro que sonhamos. Mas eu quero que seja forte, ok ? Como quando eu
voltei do exército, com os braços e as mãos enfaixadas e você cuidou de mim. Ou
quando eu cai da árvore da casa do seu João e você não saiu do meu lado nem por
um segundo.
Preste bem atenção.
Sei que vai parecer cruel, mas lembre-se de mim. Quando estiverem tocando
aquela musica brega que eu amo, quando disserem que meu time ganhou - ou perdeu
- , quando fizerem bolo de chocolate e até mesmo quando você estiver lendo
nosso livro predileto. Lembre-se de mim quando as palavras de consolo não
puderem mais te ajudar e quando tudo estiver mais difícil do que parece, porque
eu estarei lá com você.
Uma hora,
quando você menos perceber, essa dor vai passar. As lágrimas vão ser apenas de
alegria e seu coração vai voltar a se animar. Só as lembranças boas ficaram e
eu tenho orgulho de dizer que serei uma delas. Você não irá mais sofrer e tudo ficará bem. E eu estarei
olhando por você, onde quer que eu esteja.
Eu te amo, se cuide!”
Voltei a
chorar e me abracei àquela carta. Eu sabia que lembraria para sempre. Quando
tudo estivesse calmo eu me lembraria de você e toda sua ternura. Quando tudo
estivesse triste eu lembraria de toda sua alegria. Quando tudo estivesse
frio eu me lembraria de que era você quem me aquecia, de todas as maneiras possíveis.
E quando eu finalmente achasse –lá no fundo da minha alma – que havia lhe esquecido eu me lembraria de que seria impossível esquecê-lo, porque eu sempre
o amarei, eu sempre sentirei tudo de novo quando reler aquelas cartas, sempre
chorarei quando lembrar que não poderei mais ligar para você. Nem que nada vai
voltar a ser como foi um dia. Porque – eu sei que – eu o amarei por toda a
eternidade.
Remember of me
Reviewed by A escritora sonhadora
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