Vivências — Ônibus

Primeira foto de minha autoria, que foi em exposição.
"Só de Passagem", minha primeira foto em exposição.



Minhas andanças e viagens de ônibus sempre me dão alguma coisa para contar. Seja o dia em que eu resolvi sair com as unhas de só uma mão pintada e peguei o ônibus errado... Ou quando eu desci do ônibus para ajudar uma velhinha que estava se sentindo mal. Confesso, eu até gosto de andar de ônibus, tenho a oportunidade de conhecer pessoas novas, de conversar e até mesmo de aprender um pouco sobre algo. Hoje eu aprendi sobre o tempo. Nós corremos demais, nos empenhamos demais em estar sempre no horário, em sempre fazer dar certo. Se nós, humanos, fossemos algum heróis dos quadrinhos, seríamos The Flash.

Veja bem, não falo dos superpoderes, falo da vontade de correr, de fazer tudo às pressas e terminar o mais rápido possível. Por isso o que aprendi hoje me deixou encantada e ao mesmo tempo me fez refletir, porque corremos tanto ? Estudamos a vida toda e ao longo da vida aprendemos que precisamos andar rápido, precisamos pegar o primeiro ônibus, precisamos ir ao cinema no dia da estreia, ou fazer um planejamento de 30 anos no primeiro dia de faculdade. Essas pequenas coisas que aos pouco aprendemos nos torna reféns de horários e do tempo.

Hoje para mim foi um dia como outro qualquer. Eu fiz alguns trabalhos da faculdade, escrevi uma cena de uma das minhas histórias e comecei a me arrumar para ir à faculdade. Estava atrasada quando finalmente saí. Já saí de casa reclamando de mim mesma e falando da minha falta de pontualidade, ralhando mentalmente porque ainda teria que recarregar meu cartão de passagem. Peguei um ônibus assim que cheguei no ponto e fiquei aliviada por isso. A primeira coisa que notei ao entrar foi a cara emburrada do cobrador, ele parecia estar cansado e chateado com o dia. Dei meu habitual "boa tarde" e segui. 

Vi também um colega de faculdade. Nem ao menos sei como se chama, mas sou boa fisionomista. Fui para o meio do ônibus, como costumo fazer na maioria das vezes e fiquei confabulando mentalmente sobre o que faria assim que o ônibus parasse no ponto que eu queria. Olhava pela janela um engarrafamento terrível começando a se formar e minha mente trabalhava em possibilidades. "Se eu correr um pouquinho talvez chegue no horário ou se eu pegar dois ônibus...". Estava cansada de todo aquele trânsito parado, meu ponto estava mais próximo, mas demoraria muito tempo até chegar lá. 

Quando vi algumas pessoas descerem, se esgueirando em meio aos ônibus parados eu desci também e, quando consegui chegar ao ponto, disparei. Subi e desci uma passarela, andei rápido, tropecei, corri e quase fui atropelada, mas ainda assim meu pensamento dizia "Mais rápido". Minhas pernas de sedentária ficavam mais cansadas a cada passo dado, o suor escorria por meus rosto e naquele momento eu estava feliz por ter feito um rabo de cavalo em meus cabelos, ao invés do habitual black rebelde, se jogando para todos os cantos. Minha bolsa parecia conter chumbo e eu estava subindo as escadas. Cheguei destruída, arfando, com minha respiração de "quase asmática" me denunciando.

"Consegui", era o que minha mente dizia enquanto carregava o bendito cartão. Assim que saí resolvi que precisava beber água. Mas não vi nenhuma pelo caminho, andei, passei por uma igreja e por muitos fieis que olhavam escandalizados para meu enorme decote, passei por motoristas que acreditavam piamente que se não corressem não chegariam a tempo, passei por panfleteiros e passei por um rapaz que tentou me abordar para que eu ouvisse sobre seu trabalho. Em qualquer outra ocasião eu poderia ouvi-lo, mas naquele momento eu estava atrasada, disse isso a ele com um sorriso de desculpas no rosto e ele entendeu.

Esperei a sinaleira abrir ansiosamente, louca para conseguir um copo de água gelado. Subi outra passarela e cheguei a estação Iguatemi. O lugar que eu teria chegado caso não saísse do ônibus. A estação estava lotada, como sempre. Comprei minha água e nunca senti tanto prazer em beber algo. Esperei pacientemente enquanto me empurravam e vozes diversas se misturavam em uma canção que pouco agradaria meus ouvidos nos dias normais, mas que, naquele momento, não fazia diferença alguma. Foi quando o avistei. O ônibus que seria minha salvação, que me faria chegar a tempo na faculdade. 

Corri, claro que corri. É isso que se faz na estação. Seu ônibus vai ser disputado por muitas pessoas, você que um lugar, ou quer um espaço... Não importa. Quase caí, um rapaz me ajudou a descer e logo depois me ajudou a subir no ônibus. O mesmo rapaz me deixou passar em sua frente na roleta, Deus abençoe aos homens gentis. Eu já estava sem forças. E pensava na passarela e na rampa que subiria para chegar até a faculdade. Foi ao dar o meu habitual "boa noite" que eu notei. Eu, depois de correr feito louca, tropeçar, quase ser atropelada, entrei no mesmo ônibus. 

Talvez tenha sido o rosto desanimado do cobrador e a mesma cara que fez quando lhe cumprimentei pela segunda vez em menos de duas horas. Só sei que olhei ao redor, vi o colega da faculdade, vi as mesmas pessoas sentadas nos mesmos lugares. Pessoas que haviam esperado o grande engarrafamento sentadas enquanto fora do ônibus uma louca corria em desespero para carregar seu cartão. Foi ai que sorri. Sorri mesmo, não só pela coincidência, mas porque acredito em destino, sinais e em tudo que algumas pessoas chamam de baboseira.

Eu fui para o mesmo lugar que estava encostada antes. Fiquei pensando em como correr é algo tão presente em nosso cotidiano que não nos damos conta de que tudo está passando rápido demais. Não nos damos conta porque corremos contra o tempo, porque deixamos de fazer coisas que amamos porque temos trabalhos intermináveis com prazos curtos. Nos submetemos a todo tipo de coisa para conseguirmos chegar na hora, sem perceber que a hora está passando e que em algum momento vamos perceber que o tempo passou e que nós, os velocistas, projetos de The Flash, Usain Bolt e outro gênios da velocidade, nos perdemos no caminho. Nós nos perdemos tanto que não conseguimos notar que por mais que rodemos tudo que temos para rodar, acabaremos, sempre, no mesmo lugar.


Vivências — Ônibus Vivências — Ônibus Reviewed by A escritora sonhadora on 18:09 Rating: 5

Nenhum comentário