Sobre Todos os Assédios Que Sofri




Assistindo a um vídeo, de Jout Jout Prazer, há mais ou menos uma hora, eu resolvi escrever esse poste. Já estava — estou — saturada com tudo que tem acontecido, caso da menina Valentina, os ataques machistas à hashtag  #primeiroassédio e ainda teve esse tema do Enem que eu não fiz, mas se soubesse teria feito. Em meio a todas as situações insuportáveis em que vivemos, nós, as mulheres — e quando eu digo mulheres, eu digo todas, mulheres que se identificam com o gênero, as que não se identificam, as que nasceram no gênero errado para elas, emfim, todas as mulheres — não podemos mais deixar absolutamente nada passar. 

Por isso vim aqui hoje, esse vídeo de Jout Jout Prazer, que está lá no final do post e super vale a pena assistir, me fez parar de estudar o que eu estava estudando para vir aqui, escrever sobre o que está engasgado, sobre o que eu preciso desesperadamente desabafar. Antes que se assustem, porque aposto que muitos estão assustados com o tema, lembrem-se que assédio não é  só estupro, passada de mão, existem diversas formas de assediar uma mulher. 


Desde muito nova eu parecia ter uma idade a mais do que tinha. As pessoas sempre achavam que eu era mais velha do que eu realmente era, morei por muito tempo em um bairro em que cresci e até os dez anos eu só conhecia aquilo ali, um bairro familiar em que as pessoas respeitavam as crianças, porque as viram crescer, não importava o tamanho do short porque eu era Ilana, aquela menina que morava atrás do colégio, uma menina, simples assim.

Com a separação dos meus pais, quando eu tinha quase dez anos, tivemos que nos mudar, morar em outro lugar. Perto da minha tia, irmã mais velha da minha mãe. Eu tive que largar o colégio, amigos, o bairro em que morava e ai vieram as coisas que eu não conhecia. Como um rapaz que insistia em achar que eu era mais velha do que era e por isso me lançava olhares horríveis, dizia que eu era mais velha, tentava ficar comigo mesmo eu sendo mais nova, uma criança. Nada que eu dizia sobre a minha idade adiantava, por isso eu aprendi a andar de cara fechada, não sorrir na rua, não olhar demais para ninguém. 

Uma das minhas colegas de infância achava o máximo quando qualquer cara parava e perguntava o nome dela ou a idade, eu sempre mentia, dizia o nome errado, mandava se afastar e, quando não tinha jeito, xingava a pessoa. Não queria nenhum homem adulto se aproximando de mim sem meus pais ou algum adulto confiável por perto. No colégio novo, um garoto mais velho, por quem até hoje, nutro um sentimento horrível de desprezo e raiva, bateu da minha bunda. 

Eu tinha dez anos, ele era mais alto que eu e mais velho que eu e um nojo de ser humano. Ele bateu na minha bunda e saiu andando, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Mais um ato que me deixou enfurecida. Nesse mesmo ano, da mudança, colégio novo e afim, envolvida com o bullying que sofria, eu tentava não dar importância às outras coisas. 

Como ser praticamente forçada a ficar com um garoto, primeiro que eu felizmente consegui me trancar no banheiro do colégio, mas tive colegas que queriam que eu beijasse pela primeira vez, com um garoto que eu não conhecia e que não queria beijar. Eu só saí do banheiro quando a inspetora do colégio foi até mim e me escoltou até a sala. Todas agiram como se fosse normal. Como se tivesse tudo bem, mas não estava.

No mesmo ano eu conheci um garoto incrível, um ou dois anos mais velho que eu, nutri por ele uma daquelas apaixonites e queria beijá-lo, mas tomamos rumos diferentes. Alguns anos depois, amigos desse garoto foram estudar no mesmo colégio que eu e inventaram coisas horríveis a meu respeito. Não que ninguém tivesse dado muita importância, mas foi o tipo de coisa que nós guardamos na mente, como ser chamada de vagabunda ou ouvir caras espalharem que aos 13 anos você não é virgem, quando você é. Quando você, na verdade, nem ao menos beijou alguém na boca.

Enquanto eu crescia, os caras, do bairro onde eu moro, tiravam pedaços de mim com os olhos. Em um bairro comercial, cheio de trabalhadores, homens em oficinas, em lojas de pisos e boa parte deles sem respeito algum a uma menina, como se olhar fosse uma coisa ótima, mas chamar de "gostosa", "delícia" fosse mais ainda. Eu nem ao menos havia deixado de brincar de bonecas.

Os anos continuaram a passar eu a ouvir todas essas piadinhas e cantadas e esses pequenos assédios nojentos que vão nos deixando desconfiadas. Há uns 3 anos, mais ou menos isso, eu fui fazer uma prova, em um dia de domingo. Saí de lá era quase 17h da tarde. Meu celular estava desligado, meus pés doíam por causa da sapatilha e poucas pessoas estavam na estação de ônibus. Eu me encostei em uma pilastra, um rapaz estava encostado do outro lado. Eu perguntei as horas, para configurar o meu celular e ele disse, de boa vontade.

Eu tirei o sapato e estava vendo se tinha crédito para ligar para minha mãe e dizer que já estava esperando o ônibus. Nem havia pensado em ligar, ia perguntar alguma outra coisa ao rapaz do outro lado da pilastra quando eu vi. Ele estava com o pau pra fora, se masturbando, praticamente ao meu lado, eu dei um gripo, me afastei, e ele continuou ali, se masturbando. Eu estava com as sapatilhas ainda fora dos pés, peguei rápido e saí correndo, perto do casal ao lado. Eu estava em choque.

Jamais imaginei que alguém pudesse fazer isso ao ar livre, em público, que alguém pudesse ser tão escroto para me intimidar daquela forma. Eu fiquei morrendo de medo, ao lado do casal, procurando alguém e não havia policial nenhum por perto. Quando o ônibus que eu ia pegar chegou o cara quis entrar no ônibus, no mesmo ônibus que eu. Eu fiz um escândalo, eu gritei, eu disse que ele não ia entrar e o cara, vendo meu alarde, saiu. 

Eu fui pra casa morrendo de raiva e medo e olhando para tudo que é canto. E depois de uma semana eu contei a uma amiga sobre isso, ela deu risada. Ela deu risada na minha cara e disse que eu estava exagerando. Que não precisava de drama. Eu fiquei realmente muito puta com ela. E ainda ficou, porque tem coisas que ela passou que são inadmissíveis e ainda assim ela age como se fosse normal. Então eu sinto raiva de mim por me sentir chateada com uma pessoa que foi forçada a ficar com alguém que não queria e achou normal e disse que não ia denunciar. Eu realmente nunca sei o que fazer quando penso em como as vezes, essa minha amiga, pensa de forma tão retrograda e, mesmo quando eu falo, não consegue notar que algumas coisas que aconteceram com ela não são piadas e merecem sim ser denunciadas.

Depois desse episódio, e antes dele, houveram muitos. E todos eles com aquela "pitada de humor" ou tentativa de humor que na verdade é só opressão disfarçada. E um deles, o último realmente e infelizmente memorável que me dá um nojo da porra porque eu achei que estava paranoica e eu falei apenas para um amigo meu porque eu achei que estava pirando. Eu estava conversando com esse cara, de quem nem sou muito fã e ele ficou fazendo milhares de insinuações sexuais. Tocou na minha perna e eu me afastei. 

Passei quase uma hora dentro de uma pequena sala com esse homem enquanto ele desfiava um rosário de piadas machistas, cantadas horríveis e eu esperava desesperadamente que alguém viesse e eu trocava de lugar para que ele não me tocasse e eu sentia medo e nojo de formas tão intensas que nem sei como não vomitei ali mesmo. E tudo isso disfarçado de um "Porque você tá se afastando ? Foi uma piada". 

E é por essas e por outras que todas essas "piadas" e "você entendeu mal" acabam destruindo a gente. São assédios que não achamos que sejam válidos, não achamos que devemos contar, mas devemos. Porque ninguém merece que um cara chegue perto de você e tente te abraçar, cheirar seu pescoço como se um cumprimento fosse normal. Você, nem eu, nem ninguém merece algo assim. Então falem. Se não for com os pais de você, que sejam com os amigos e com os vizinhos, com professores, alguém. Só não deixe que pessoas assim façam o que bem quiser. Não ache que está paranoica, porque na maioria das vezes, como disse o  vídeo de Jout Jout, você não está.


Esse foi o meu relato. Se tiverem algo a dizer, os comentários estão ai. 






Até a próxima. 





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